sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Monstros - Cap 6 - Do outro lado

-Tivemos sorte nessa loucura toda…- Disse olhando para o filtro de água construído poucos dias antes.
De fato, aqueles dias eram ruins. Seres grotescos dominaram as ruas, deixando destruição por onde passavam; destruíram várias casas e arrancaram famílias inteiras destas. As primeiras notícias tinham sido postadas em sites; porém, logo a internet e outros meios de comunicação não funcionavam mais- assim como serviços básicos de saúde e segurança. Em um mundo que era cada um por si, eu e minha família estávamos bem abrigados.
Na noite em que as feras atacaram, ouvimos os gritos de nossos vizinhos e, ao constatar o que era e que não poderíamos mais salvá-los, nos escondemos em um compartimento da casa que era invisível aos olhos de invasores. Permanecemos por horas dentro daquele espaço apertado, mas sobrevivemos juntos. Acho que parte da nossa sorte se deve ao fato de que vivemos em lugar mais afastado da cidade, onde há espaço entre uma casa e outra e os monstros chegaram bem tarde para nos pegar.
-Sorte? Quando você bateu a cabeça? Só pode estar doi…- Meu irmão começou a soltar as besteiras de sempre; mas, dessa vez eu não liguei, só continuei olhando para o filtro e o que eu, como engenheira ambiental e sanitária poderia fazer para melhorar.
-Ágata, você está me escutando?- A voz mais atônita de meu irmão despertou meus instintos de sobrevivência.
-O que foi?
-Eu estou reclamando e você não me escuta! Só temos um ao outro pra desabafar agora.
-Deixa de ser pateta, garoto. Você não vê que eu tenho coisas demais na cabeça pra ouvir suas baboseiras?! Eu estou planejando como melhorar esse filtro e dar mais qualidade de vida pra toda a família e você vem me reclamar que não tivemos sorte?! Me poupe!
Depois disso saí pisando forte e o deixei lá, sem palavras para responder.

“Esse garoto… Enfim, preciso melhorar essa coisa ou, em pouco tempo ficaremos sem água para beber…”

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O Décimo filho - Cap 2- Vamos ao parque?

Quando fomos ao primeiro congresso em nossa igreja eu completava 6 anos de idade. Não me lembro muito bem, mas passamos bastante tempo dentro do ônibus e em duas cidades- São Paulo e Santa Catarina.
No ônibus, eu e minha irmã aprontávamos todas - entre brigas e brincadeiras. Certa noite ela estava sentada na poltrona ao lado de minha avó e eu ao lado de minha mãe. Pelo reflexo da janela, mana conseguia me mostrar a língua e me irritar a ponto de eu reclamar com minha mãe. Sempre brigamos muito, mas ficamos bem depois.
Chegamos à cidade de São Paulo e fizemos várias compras durante o dia; foram compras realmente boas, pois eram coisas de qualidade relativamente boa a um preço acessível. Pela parte da noite, minha mãe me deu mingau e eu apaguei; estava em um sono tão profundo que minhas mãe, irmã, tia e avó saíram e me deixaram no quarto por não conseguirem me acordar - não tinha comida no hotel e elas realmente tinham que sair. No dia seguinte fomos às compras mais uma vez e quase nos perdemos do pessoal da igreja.
Alguns dias depois estávamos em Santa Catarina nos preparando para ir a um dos maiores (ou o maior) parques da América Latina, O Beto Carrero World! Aquele passeio foi realmente mágico…
O carrossel na praça de alimentação é uma das lembranças mais vívidas em minha mente. Eu sempre fui bastante agitado e ficava pior com fome; porém, aquele brinquedo me conquistou de um modo impressionante. Todos os cavalos, “poltronas” e luzes o faziam parecer outro mundo, e seu tamanho era a parte principal. Realmente era outro mundo; um local sem erros e tristezas - me perguntei se Deus viveria em um lugar assim. Então eu caí no chão da praça de alimentação. Estava caminhando distraído pelo carrossel…
-Menino, levanta ainda temos muito o que ver! - Minha mãe ria de meu tropeço.
-Só tu, mano! - Minha irmã quis tirar graça comigo e eu lhe mostrei a língua.
-Vocês já vão começar?!
Depois disso vieram o zoológico, o assalto ao trem, algumas montanhas russas e trens fantasmas, a casa do terror, a caverna dos piratas, um brinquedo que nos jogou água e muitos outros. No fim do dia, passamos novamente pela praça de alimentação e pela lojinha - não compramos nada na lojinha, mas nossas barriguinhas estavam cheias.
No dia seguinte fomos à igreja em que estava ocorrendo o culto principal do congresso. Eu não entendi muita coisa. Mas foi bom como eles nos ensinaram a orar; disseram que há uma sequência lógica para seguir que é descrita quando Jesus ora o Pai Nosso: o reino de Deus antes de todas as coisas, então as nossas coisas. Foi bastante inspirador e, naquela noite, eu já pude praticar essa sequência.

O ponto final da viagem era o Paraguai. Minha mãe decidiu que seria mais divertido ir às compras que ir às Cataratas do Iguaçu. Talvez teria sido realmente mais divertido; mas não compraríamos a bola que ainda guardo de recordação no fundo do armário.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O Décimo filho - Cap 1-Sem sentido

Quando eu tinha 3 anos meu pai morreu. Não tinha noção das coisas e meu pai não era bem uma figura paternal; ele costumava nos levar no shopping e ficar sentado no sofá. Porém, eu sentia falta dele. Dali em diante estava com minha mãe e minha irmã; os outros irmãos não eram presentes e uma parte deles não se interessava com meu bem estar-nem em saber se eu estava vivo.
Foram tempos difíceis e escassos. Com o dinheiro da pensão de meu pai conseguimos nos sustentar, mas muitas regalias foram cortadas. Eu aprendi a ter o mínimo e não gastar com coisas desnecessárias.
Consigo me lembrar de uma vez em que vi minha mãe chorando no quarto e fui lhe dar um abraço.
-Querido, não queria que me visse assim…
-Está tudo bem, mamãe?
-Não tenho dinheiro para o almoço de amanhã...mas creio que Deus há de prover.
-Vai ficar tudo bem, mamãe.
-Sim, querido...ore comigo.
-Vou chamar a mana pra orar também.
-Tudo bem. Vai lá, meu garoto.
Oramos todos juntos naquela noite e fui dormir confiante que tudo ficaria bem. No dia seguinte, a vizinha trouxe uma panela média com estrogonofe e uma vasilha cheia de arroz por ter errado a mão e iria estragar se ficasse tudo na casa dela. Agradecemos e comemos felizes da vida, sabendo que alguém cuidava de nós.

Nesta idade eu não tinha noção de quem eu era ou quem eu poderia me tornar. Mas de uma coisa eu sabia: eu não estava sozinho…

A casa - redigido em 15/06/2018

Ela acordou ao ouvir as tábuas sendo tiradas de sua porta e os passos apressados. Depois de tanto tempo presenciando os mais diversos tipos ...